sexta-feira, agosto 8, 2025

“Dormia no chão, comia comida podre e não podia reclamar”: o horror vivido por trabalhadores no interior de MT

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Uma cena digna de um campo de concentração moderno foi descoberta em Porto Alegre do Norte, a 1.300 km de Cuiabá, onde 563 trabalhadores foram resgatados em condições análogas à escravidão. A tragédia trabalhista, descoberta após um incêndio devastador que destruiu alojamentos no dia 20 de julho de 2025, chocou o país pelo nível de degradação humana exposta.

A construção, que deveria ser o símbolo do progresso com a implantação de uma usina de etanol da empresa 3tentos, escondeu por meses um verdadeiro campo de trabalho forçado, coordenado pela TAO Construtora, responsável pela execução da obra.

Segundo a força-tarefa composta pela Polícia Federal, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público do Trabalho (MPT), os trabalhadores – em sua maioria vindos do Maranhão, Pará e Piauí – viviam como animais em alojamentos sem estrutura mínima.

Nos quartos abafados, quatro homens dividiam um único ventilador, dormiam em colchões usados e sujos, sem lençóis adequados, sem travesseiros e, em muitos casos, nem cama havia. Homens dormiam no chão, sob mesas e improvisos indignos até para animais.

A energia elétrica falhava constantemente, o que interrompia o bombeamento de água. Sem água, sem banho, sem dignidade. Muitos eram obrigados a se lavar com canecas. Os banheiros, tomados pelo mau cheiro e sujeira, tinham filas longas e eram compartilhados por dezenas.

A alimentação completava o quadro de tortura. Refeições vencidas, servidas frias ou com larvas e moscas, eram o único sustento dos operários. O refeitório, abafado e sem ventilação, fazia com que muitos optassem por comer de pé, ou até fora do galpão, tentando escapar do calor sufocante e do cheiro da comida estragada.

A denúncia se agrava com o sistema batizado de “cartão 2”: uma jornada real que ultrapassava as 8h48 diárias contratadas, estendendo-se até as 22h e aos domingos. As horas extras não eram registradas oficialmente. Eram pagas por fora, em cheques ou dinheiro vivo, como nos tempos mais escusos do trabalho escravo moderno.

Tudo fora da folha de pagamento. Tudo para enganar o Estado e esfolar os trabalhadores.

O golpe começava antes mesmo da obra: os operários eram aliciados em suas cidades de origem por intermediários. Pagavam do próprio bolso a passagem até o canteiro e, ao chegarem, tinham o valor descontado dos salários. Se fossem reprovados no exame médico ou nem sequer contratados, ficavam abandonados, sem dinheiro sequer para voltar pra casa.

Nas frentes de serviço, a situação era igualmente caótica. Falta de EPIs, excesso de poeira, contato com produtos químicos sem proteção adequada e acidentes de trabalho escondidos. Lesões nos pés e mãos, doenças de pele e uma rotina de sofrimento sem assistência.

Após os depoimentos colhidos entre 30 de julho e 5 de agosto, ficou claro: houve violação massiva dos direitos trabalhistas, humanos e civis. A 3tentos e a TAO Construtora agora enfrentam um tsunami jurídico e social, enquanto o Brasil volta a figurar nos noticiários internacionais por episódios de trabalho escravo em pleno 2025.

“É uma vergonha nacional. Essas pessoas estavam presas num pesadelo real, longe de casa, sem água, sem comida digna e sem direitos. Isso precisa ter punição exemplar.” — afirmou um dos auditores do trabalho que participou da operação.

Jornalista: Mika Sbardelott

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