Artigo: “Pegue o seu banquinho e saia de mansinho” – Por Hellen Bucair

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No mercado profissional, seja qual o ramo de escolha de atuação, uma coisa é certa: precisa haver qualificação.

Desde às funções mais simples, às mais complexas, não há como realizar as tarefas sem que o trabalhador saiba e domine aquilo que se propõe a realizar.

Quem, em sua sã consciência daria uma procuração em branco a alguém com amplos poderes para cuidar do seu dinheiro, dos seus direitos e administrar a sua vida em todos os aspectos?

Em uma resposta mental rápida, posso ouvir daqui: eu nunca faria uma coisa dessas!

No dicionário, procuração é o “poder que uma pessoa atribui a outra para que ela aja em seu nome, assumindo responsabilidades, tomando providências ou tratando de assuntos que são de seu interesse; autorização”. E, no sentido jurídico: “Documento ou instrumento legal que confere esse poder; mandato”. (https://www.dicio.com.br/procuracao/. Acesso em: 03 fev 2022).

Certo, diante dessa resposta (óbvia) e ajuizada, retomemos o seguinte raciocínio…

Um restaurante está com vagas abertas para a cozinha. Precisa contratar alguém urgentemente, pois sem a cozinheira as portas irão se fechar.

Aparece uma candidata que, embora inexperiente (nunca sequer ligou um fogão na vida) está cheia de boa vontade e disposta a aprender como se cozinha na prática.

As entrevistas continuam e surge um candidato que aprendeu a cozinhar com a mãe. Ele já adianta que o forte é comida caseira e perfumada e diz que desde jovem sonha com essa vaga. Como ele gostava muito, por incentivo dos pais foi estudar a culinária, trabalhou voluntariamente em algumas obras sociais e concluiu os estudos. Hoje se sente habilitado. E se propõe, inclusive a cozinhar algum prato para que o empregador prove e o avalie.

Um outro candidato é chef, formado em culinária, mas jamais ascendeu um fogão.

Você, empregador, podendo escolher um candidato, qual deles contrataria para essa função crucial dentro do seu negócio?

As respostas parecem, novamente, óbvias, não é mesmo?

Quem está aí imaginando que jamais contrataria a primeira candidata por pavor de que ela pudesse fazer algo que não agradasse e, até mesmo, pudesse espantar os clientes, saiba que você já fez várias vezes isso ainda em sua vida.

O que? Eu? Jamais faria! Nunca! Sou extremamente cauteloso (a)!

Não é não e você irá concordar comigo.

De quatro em quatro anos somos chamados, em diversos níveis, a entregar uma procuração em branco a pessoas que, muitas vezes nunca vimos e que sequer sabem o que estão fazendo quando divulgam suas propostas na televisão.

São diversos candidatos, mas, de fato em sua grande maioria eles se situam no exemplo número 1 que eu dei.

Veja bem, lembro-me de um famoso candidato que dizia em sua campanha: “Você sabe o que faz um deputado? Eu também não sei, mas chegando lá eu descubro”.

Em uma entrevista, esse mesmo candidato respondeu:

Sabe o que o PR propõe, como se situa na política?

Cara, com sinceridade, ainda não me liguei nisso aí. O meu foco é nessa coisa da candidatura, e de correr atrás. Caso seja eleito, aí a gente vai ver”. (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2508201019.htm).

Ou seja, ele disse que iria aprender quando chegasse lá, certo?

Vamos voltar pra entrevista do restaurante… O empregador pergunta: “Você sabe cozinhar?”. O Candidato responde: “Não sei, mas na hora em que eu chegar na cozinha, prometo que irei aprender e você irá gostar do meu trabalho”.

Você teria coragem de contratar esse candidato?

Saiba que o Brasil não só teve coragem, como contratou exatamente esse candidato.

A minha crítica não é ao candidato não. Ele disse a verdade. Respondeu à entrevista de emprego e, inclusive, foi selecionado para a vaga.

A minha crítica é a você (empregador) que me responde uma coisa e na prática faz outra.

Agora volte o olhar para o concorrente à mesma vaga do restaurante que estudou, mas nunca ligou um fogão. Esse é um problema também em nosso país porque muitas pessoas qualificam-se, mas não realizam experiências anteriores ao pleiteio da vaga.

Muitos questionam: “Como terei experiência se não me deram oportunidade ainda?

Olha, em sala de aula eu costumo dizer que é “justo que muito custe o que muito vale”. Essa belíssima frase não é minha, é da sábia Santa Teresa de Jesus que estava muito certa quando isso dizia.

Vale muito obter a confiança de alguém. Vale muito fazer algo pelo próximo. Vale muito proporcionar a melhoria de condições de vida de uma pessoa. Também tem muito valor cuidar do dinheiro do outro e poder ter a confiança dele para administrar outros aspectos da sua vida.

As pessoas costumam demonstrar insatisfação em relação a vários aspectos dos serviços públicos prestados à sociedade, mas sequer, já procuraram saber quem gere esse serviço, quem fiscaliza e onde ficam os canais de comunicação para que as reclamações possam ser realizadas e quem está cuidando do seu dinheiro, muito menos o que está fazendo com ele.

Reclamar só por reclamar, envelhece e traz rugas, diz o meu experiente pai.

As experiências podem vir justamente daí.

As demandas para serem colocadas em agenda e pauta de discussão precisam, de algum modo, chegar a quem está no topo da gestão.

Você já parou para pensar que talvez o gestor não tenha conhecimento daquele buraco no trajeto que você faz de casa para o seu trabalho porque todo mundo tem raiva dele, mas jamais reclamou?

Certa vez, cheguei em sala de aula e no caminho havia um fogaréu.

Em Mato Grosso sofremos muito em determinadas épocas do ano com as criminosas queimadas.

Assim que cheguei ao trabalho liguei para os bombeiros que me informaram ser a primeira solicitação em relação àquela região naquele horário.

Cheguei em sala e perguntei quem tinha visto aquele fogo? Toda a sala levantou a mão. Perguntei quem concordava com aquilo… Eles começaram discussões acaloradas acerca do absurdo, da saúde da população, dentre outros. Suspendi a discussão perguntando quem tinha ligado para a emergência para resolver aquele enorme problema. E a turma se calou.

É este o problema. Nós nos calamos!

Enquanto eu me calar nada do que está estabelecido será modificado.

Enquanto eu der uma procuração em branco a alguém (em quem eu não confio), a uma famosa frase do candidato citado continuará sendo verdadeira: “pior que tá não fica”.

Enquanto os candidatos procurarem saber o que irão fazer quando forem eleitos, não procurarem se qualificar, jamais terão condições de serem “os melhores cozinheiros”.

Já pararam para pensar que precisamos de curso pra tudo? E que, para inúmeras funções exige-se que minimamente você tenha sentado algum dia em um banco de faculdade para estudar um ofício?

Agora a pergunta que não cala em meu coração… Por que para o exercício de um mandato não existe exigência mínima de qualificação? Por que é possível um candidato submeter uma candidatura sem saber o que irá fazer com a nossa procuração?

Seja honesto, senhor futuro candidato, quais experiências anteriores o senhor tem? O senhor foi qualificado onde? O senhor tem habilitação para me representar e sabe o que fazer com a minha procuração? O senhor administra a sua casa? Faz as compras do mercado? Sabe quanto custam as coisas? O senhor conhece os principais problemas do seu bairro, das pessoas com quem convive, da paróquia onde você frequenta? O senhor já tentou ajudar de algum modo a essas pessoas? O senhor já fez algum curso para aprender a atuar como profissional na vaga que pleiteia? Conhece exatamente as funções que exercerá nesta vaga?

Se a sua pergunta foi negativa a apenas uma dessas assertivas, faça como um personagem de um velho quadro de um antigo programa de televisão dizia: “pegue o seu banquinho e saia de mansinho”.

Nem submeta o seu nome à apreciação da população. Não preste esse desserviço!

Agora, eleitor, a minha conversa é contigo: “é justo que muito custe o que muito vale”.

Por que preço você tem negociado o seu voto?

Lembre-se disso porque nas próximas eleições dependemos das suas escolhas para as entregarmos as procurações dos nossos próximos anos.

Querer mudar o país sem antes arrumar a sua própria cama e lavar a sua própria louça é fácil.

Faça a sua tarefa de casa e, apenas depois disso, vá às urnas!

Que a graça de Deus possa iluminar a todos nessas próximas eleições!

Hellen Caroline Ordones Nery Bucair – É mestre em Direito Agroambiental pela UFMT. É professora de Direito do Superior de Tecnologia em Gestão Pública do IFMT, (Campus Várzea Grande). Leciona, dentre outras disciplinas a de Políticas Públicas. É membro do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) do IFMT.

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